Entrevistado: Sergio Marshall
Sergio Marshall e Luiza Bandeira - Teatro Bolshoi Brasil
LB: Bom, quem é Sergio Marshall, 1º Bailarino do TMRJ, Coordenador
Artístico do Ballet A Criação do TMRJ, professor, ensaiador... Com que idade
começou a dançar e onde?
SM: Bom dia Luiza. Vale fazer algumas retificações. Embora
tenha atuado em quase todos os papeis principais do repertório do TM, não tinha
o cargo, pois esta promoção ficou “congelada” durante muitos anos e atualmente
já não atuo mais no TM, apesar de ter passado por todos os cargos da
hierarquia, desde corpo de baile até Diretor Artístico.
Comecei a dançar em Porto Alegre aos 18 anos com a
professora russa Marina Fedossejeva. O interessante na minha formação é que ela
foi aluna direta de Agrippina Vaganova, que foi quem desenvolveu a Metodologia
Vaganova do ensino do ballet clássico, até hoje uma das metodologias mais
respeitadas e eficientes. Além dela, ainda em Porto Alegre, foi muito
importante na minha formação a atuação do mestre Walter Arias, bailarino
uruguaio, de muita personalidade e ensino técnico impecável, qualidades que
agreguei à minha carreira e prezo muito num bailarino.
LB: No Caminho para sua formação profissional, quais Ballets
de repertório você dançou e quem interpretava?
SM: Acho que já dancei todos, rs, e fiz desde vendedor de
lenços, meu primeiro papel no corpo de baile do TMRJ, na versão de Don Quixote
de Dalal Aschar, até os papéis principais em O Quebra Nozes, Floresta
Amazônica, Coppélia, La Sylphide, Grand Pas Classique, Giselle, La Fille Mal
Gardée, onde interpretei tanto o papel de Colas quanto o de Alain, pelo qual
fui indicado para o prêmio Mambembe, Don Quixote, O Corsário, inclusive com
este papel ganhei diversos prêmios na Primeira Edição do Concurso do CBDD, há
muitos anos, que foi na verdade o primeiro concurso de dança realizado no
Brasil. Vale ressaltar que ao longo da minha carreira dancei em muitas
companhias que não eram de repertório clássico, como o Ballet Stagium, Cisne
Negro, Balé da Cidade de São Paulo, Ballet do Teatro Castro Alves, onde pude
explorar inúmeras possibilidades técnicas e artísticas além das proporcionadas
pelo repertório clássico do TM. Com estas companhias tive a oportunidade da
dançar por todo o mundo, da América do Sul à Europa, o que me enriqueceu ainda
mais enquanto artista.
LB: Fale das dificuldades que teve como bailarino, seus
obstáculos e como superou todos eles.
SM: As dificuldades foram muitas, desde a minha origem
humilde, a difícil aceitação pela família, e as dificuldades inerentes à
formação de um bailarino, como as limitações físicas, a busca de uma formação
mais aprimorada pelo fato do meu inicio tardio, pois naquela época eram poucos
os bailarinos homens que tinham a oportunidade de se iniciar cedo nos estudos
do ballet. E acho que superei isso tudo porque sou extremamente teimoso e
insistente, o que não deixa de ser bom para um bailarino, pois sabemos que os
obstáculos são muitos e não podemos desistir no primeiro.
LB: Como se tornou 1° bailarino do TMRJ e quais foram os
cargos assumidos e dirigidos por você na história do ballet do TMRJ?
SM: Como já disse anteriormente, já passei por todos os
cargos do TM. Comecei como corpo de baile, passando por corifeu, solista e
primeiro solista, onde atuei como primeiro bailarino em quase todas as
produções da companhia, e passei de vendedor de lenços a príncipe em menos de
um ano, dividindo o palco com estrelas do ballet como Ana Botafogo, Cecília
Kerche, Julio Bocca, Fernando Bujones, Jean Yves Lormeau, Marcia Haydée,
Richard Cargun, Elizabeth Platel entre outros. Num segundo momento também
exerci os cargos de professor, ensaiador, assistente de direção e finalmente
diretor artístico, e foi nesta ocasião que trouxemos pela primeira vez para uma
companhia de fora da Europa o ballet A Criação, do coreógrafo Uwe Scholz, que
no ano seguinte foi também apresentado em Joinville com enorme sucesso e grande
comoção do público.
Teatro Bolshoi Brasil, Sergio ministrando aulas de ballet clássico e ao fundo o ilustre Pianista Eduardo Boechat.
LB: Quais foram os professores mais importantes, os que mais
influenciaram no seu desenvolvimento profissional?
SM: Meus professores em Porto Alegre foram fundamentais, é
claro, mas já fora do RS e já atuando como profissional, uma vez que entre meu
início como aluno e a conquista de meu primeiro contrato profissional, no
Teatro Guaíra, foram apenas 3 anos, tive a oportunidade de trabalhar com
grandes mestres como Carlos Trincheiras, Jair Moraes, Hugo De La Valle, Aldo
Lotufo, Tatiana Leskova, Eugenia Feodorova, Jane Blauth, Jorge Siqueira, Ismael
Guiser, entre tantos outros aqui no Brasil e na Europa, como no Mudra, em
Bruxelas/Bélgica, que na época era a escola do Ballet Béjart, que se chamava
Ballet du XXIéme Siécle, na École de Danse do Ballet de Zurich/Suiça, e além
disso nos EUA, com aulas em NY no Joffrey Ballet School.
LB: O que acha da
dança no Brasil, das escolas, espetáculos, festivais, acha que estamos
caminhados para um futuro promissor ou o Brasil ainda está muito atrasado em
relação a outros países?
SM: A dança no Brasil evoluiu muito desde que eu comecei. Os
bailarinos hoje estão em pé de igualdade com as grandes estrelas mundiais. Os
festivais são um meio muito importante de fomento à dança, com a troca de
experiências e conhecimento, apenas com um senão: a ênfase demasiada a altura das
pernas e o número de piruetas, em detrimento ao verdadeiro sentido da dança,
que é a arte, uma vez que a técnica é tão somente um meio para se chegar a um
fim mais profundo, a arte.
LB: Cite o nome de alguns bailarinos que você acha que mereciam
destaque na dança no Brasil, mas infelizmente ainda ficam escondidos por causa
da falta de oportunidade?
SM: Eu acho que os bailarinos que já atingiram um nível
artístico mais consistente já estão conseguindo este reconhecimento, apenas aos
que são muito jovens e ainda não muito lapidados falta esta visibilidade, que
virá, se não aqui no Brasil, onde o mercado é pequeno, nos palcos do mundo
inteiro. Lembrando que uma medalha num concurso não é uma garantia, mas apenas
um passo para este aprimoramento artístico.
LB: Atualmente está
ministrando cursos, dando aulas, fale um pouco sobre os novos projetos?
SM: Atualmente, junto com a minha esposa, eu abri meu
próprio estúdio de dança, na cidade de Teresópolis/RJ e além disso tenho dado
aulas como professor convidado em academias e companhias profissionais, como
mais recentemente o Ballet de Niterói, a São Paulo Companhia de Dança, a Cia
Jovem do Ballet Bolshoi no Brasil, e amanhã mesmo estarei embarcando para minha
segunda temporada como professor de Ballet Clássico no Festival de Dança de
Joinville.
LB: Deixe uma mensagem especial para nossos leitores
SM: Presumindo que a maioria dos leitores seja de bailarinos
e/ou estudantes de dança, o que eu posso aconselhar é que façam muitas, muitas,
muitas aulas, enfatizando sempre a limpeza e a correção dos movimentos de base,
e que, além disso, também leiam muito, assistam bons filmes, boa música,
adquiram cultura geral, que dará maior consistência e peso artístico à sua
dança, afinal, as partes mais importantes do corpo de um bailarino ainda são o
cérebro e o coração.